esse é um convite para uma escrita-labirinto: não se pretende apresentar certezas, mas deparar-se com dúvidas,
escrevo esse texto-pergunta e aguardo seu texto-resposta-pergunta. lhe enviarei um texto resposta e depois teremos cada um feito uma pergunta e respondido a algo.
escrevo esse texto-pergunta e aguardo seu texto-resposta-pergunta. lhe enviarei um texto resposta e depois teremos cada um feito uma pergunta e respondido a algo.
faremos então uma síntese.
beijos.
and.a dança é uma operação simbólica necessariamente melancólica.
tenho pensado muito nesses termos ultimamente e parto dele pra começarmos a escrever.
essa afirmação é também em função das origens dos entendimentos de coreografia e orchésographieem thoinotarbeau - onde a pedido de seu aluno o mestre escreve sua dança para que ela possa ser feita mesmo depois de sua morte - e da permanente performance frontal para o olhar do rei no balé classico codificada; mas para além disso penso que os processos de investigação, articulação e partilha em dança operam como intermediários simbólicos em uma aproximação do Real. a priori uma ação impossivel de concretizar-se fatualmente: tocar o Real seria despojar-se de elementos simbólicos e despojar-se de elementos simbólicos seria deixar de ser humano.
assim, dançar é criar artifícios simbólicos que permitam de algum modo tocar a aridez do Real. nunca nela mergulhar,mas tocá-la.
nessa medida parece travar-se com o tempo uma relação muito específica. quase um carregar de tempo as imagens que o corpo produz.
agambem fala no texto 2 de ninfas em como no século XV o mestre de dança domenico de piacenza enumera algo chamado de "fantasmata" como elemento fundamental a sua arte; ela seria "uma parada repentina entre dois movimentos, capaz de concentrar virtualmente na própria tensão interna a medida e a memória de toda a série coreográfica" (p. 24.)
inevitavelmente uma relação de transformar carne em tempo: memória. agambem escreve que para domenico - e concordo totalmente - é uma composição de fantasmas.
ele completa escrevendo que " o verdadeiro lugar do dançarino não está no corpo e em seu movimento , mas na imagem como 'cabeça de medusa', como pausa não imóvel mas carregada, ao mesmo tempo, de memmória e de energia dinâmica. porém isso significa que a essencia da dança não é mais o movimento - é o tempo".
beijos.
and.a dança é uma operação simbólica necessariamente melancólica.
tenho pensado muito nesses termos ultimamente e parto dele pra começarmos a escrever.
essa afirmação é também em função das origens dos entendimentos de coreografia e orchésographieem thoinotarbeau - onde a pedido de seu aluno o mestre escreve sua dança para que ela possa ser feita mesmo depois de sua morte - e da permanente performance frontal para o olhar do rei no balé classico codificada; mas para além disso penso que os processos de investigação, articulação e partilha em dança operam como intermediários simbólicos em uma aproximação do Real. a priori uma ação impossivel de concretizar-se fatualmente: tocar o Real seria despojar-se de elementos simbólicos e despojar-se de elementos simbólicos seria deixar de ser humano.
assim, dançar é criar artifícios simbólicos que permitam de algum modo tocar a aridez do Real. nunca nela mergulhar,mas tocá-la.
nessa medida parece travar-se com o tempo uma relação muito específica. quase um carregar de tempo as imagens que o corpo produz.
agambem fala no texto 2 de ninfas em como no século XV o mestre de dança domenico de piacenza enumera algo chamado de "fantasmata" como elemento fundamental a sua arte; ela seria "uma parada repentina entre dois movimentos, capaz de concentrar virtualmente na própria tensão interna a medida e a memória de toda a série coreográfica" (p. 24.)
inevitavelmente uma relação de transformar carne em tempo: memória. agambem escreve que para domenico - e concordo totalmente - é uma composição de fantasmas.
ele completa escrevendo que " o verdadeiro lugar do dançarino não está no corpo e em seu movimento , mas na imagem como 'cabeça de medusa', como pausa não imóvel mas carregada, ao mesmo tempo, de memmória e de energia dinâmica. porém isso significa que a essencia da dança não é mais o movimento - é o tempo".
Date: Tue, 17 Sep 2013 20:29:12 -0300
Subject: Re: sobre a formação compartilhada em artes presencias do solo expectativas e promessas de alejandroahmed
From: sandrameyer@globo.com
To: ander_lc5@hotmail.com
Subject: Re: sobre a formação compartilhada em artes presencias do solo expectativas e promessas de alejandroahmed
From: sandrameyer@globo.com
To: ander_lc5@hotmail.com
Anderson aceito sim o convite para uma possível escrita em labirinto, sem saber para aonde vamos. Mas a boa companhia compensa as incertezas. Parto então da deixa do tempo...do que agorinha a pouco lia sobre os estados da dança que Degas quis pintar, descritos por Paul Valéry em Degas Dança Desenho: “Dissemos que neste gênero de movimento {dança}, o Espaço era apenas o lugar dos atos: ele não contém seu objeto. É o Tempo, agora, que desempenha o papel mais importante...” - é que no universo da dança o repouso não tem lugar.
Cem anos após a Orchésographie(1588) de ThoinotArbeau, o mestre de ballet e padre jesuíta Claude-François Ménestrier escreveu em Des ballets anciens et modernesselonlesreglesdutheatre (1682) sobre a vantagem mimética do ballet sobre a pintura. Os personagens da pintura seriam de fato imóveis, cujo prazer estético viria da captura do corpo no cerne do seu movimento, ao passo que a dança é toda uma sequência de movimentos que se sucedem uns aos outros, sem descanso. Rompe-se com a representação do corpo imóvel, com a associação da beleza ao repouso. A dança seria para Ménestrier e seus pares algo entre um poema mudo e uma pintura movente, revelando seu entre lugar - do movimento e da pausa. Ou de uma paragem, como diria André Lepecki. A imobilidade pode se constituir como um ato de resistência que liberta a dança da “fatalidade do movimento” (Goumarre, 2004).
Sigo ainda em associações ligadas ao tempo, à imobilidade e ao movimento que me fizeste pensar. Poses sequenciadas em staccato, formas angulares, pés e joelhos flexionadas. Debussy tinha ressalvas quanto a concepção de Nijisnky para a coreografia Jeux: “Nijinsky criava triplos colchetes com seus pés, com seus braços, então, quase que paralisado, permanecia enfurecido deixando o som escapar”. “Isto é terrível”, bravejava o compositor.
Jaques Ruviére, ao escrever uma crítica após a estreia de Sagração da Primavera, obra de Nijisnky composta em 1912, questiona - “Quem é o coreografo?”, estabelecendo uma relação com o tempo: “o autor de um balé não é nem o poeta, nem o decorador, nem mesmo o compositor. No mesmo momento em que ganha consciência dos movimentos do bailarino, entende que a beleza não se mede através da perfeição da pose onde começa e acaba um enchainement, mas no percurso do bailarino no tempo. Isto é, nessa trajetória pulsante que a mão do pintor não poderá fixar. A dança não é um perfil: é um caminho à nossa frente”.Inúmeras 'cabeças de medusa' ? Somos tecidos do tempo, dizia Bérgson.
From: ander_lc5@hotmail.com
To: sandrameyer@globo.com
Subject: RE: sobre a formação compartilhada em artes presencias do solo expectativas e promessas de alejandroahmed
Date: Wed, 18 Sep 2013 04:39:13 +0000
espaço como lugar onde se dão os atos de um objeto-dança que não pode repousar/descansar.
ação do tempo sobre os corpos como rompimento de representação deste corpo e como fundador de um poética da presença.
fazer uma dança que não se coloque no lugar da coisa, que não re-apresente a coisa, que não represente coisa, mas - isso sim - que seja coisa. a paragem, o não-movimento na arte que fatalmente é feita de movimento certamente sempre esteve lá, vide o corpo de baile que suspende e sustenta sua imobilidade para que o solista dance.
a escolha por operar uma ação necessariamente subversiva - ao inverter sentido que se está dado onde a se faz dança de movimento - e sublinhar a inviabilidade de não mover-se é um posicionamento ético que dá a ver a dança quando lhe tira o que é essencial.
uma poda na ostentação, uma vírgula na fatalidade do movimento que soterraria o próprio porque da dança ser.
quando ruviére fala que a beleza da dança está na trajetória e que essa dança é um caminho à frente parece falar do que hoje chamamos e tentamos dar conta de entender nomeando como engajamento. não importa o que, importa como.
um dos enunciados do grupo cena 11 imediatamente me vem a mente: disponibilidade como poder.
essa disponibilidade precisa ser sempre tão transitória quanto possível, caso contrário vira certeza e não tem lugar.
a relaçao ontológica entre movimento e dança e a relação melancólica entre dança e sujeito parece sempre tentar fazer com que nossos fantasmas não se cristalizem, mas possam gerar imagens prenhes de tensão poítica. portanto prenhes de relação com a pólis, como o mundo.
uma vez que mudamos relação com o mundo, mudamos entendimento do corpo que temos e somos. e minimamente se pode tornar o Real menos árido.
utopia inevitável a lahildahilst: a vida é crua.
adendo dançante: mas que ao menos venha com elegância.
lembrete crítico: a dita elegância é sempre movente. tão movente quanto necessário para não fazer da dança uma certeza, mas um labirinto que se constrói na medida em que se trilha.
Presença e(em) relação. Sujeitos menos ensimesmados interessados naquilo que pode(rá) emergir e imergir no acontecimento. Assim talvez chegaríamos na tal coisa, no seja coisa.
Mover implica fatalmente em uma ética e uma política. A dança é um caminho à nossa frente...devir futuro que recolhe traços do passado possíveis de serem atualizados - Nietzsche afirmavaquenãopoderiahaverpresentssem o esquecimento.
Disponibilidade requer generosidade e escuta. Estas sim não podem ser tão transitórias. Construir um campo existencial comum na trilha.
ação do tempo sobre os corpos como rompimento de representação deste corpo e como fundador de um poética da presença.
fazer uma dança que não se coloque no lugar da coisa, que não re-apresente a coisa, que não represente coisa, mas - isso sim - que seja coisa. a paragem, o não-movimento na arte que fatalmente é feita de movimento certamente sempre esteve lá, vide o corpo de baile que suspende e sustenta sua imobilidade para que o solista dance.
a escolha por operar uma ação necessariamente subversiva - ao inverter sentido que se está dado onde a se faz dança de movimento - e sublinhar a inviabilidade de não mover-se é um posicionamento ético que dá a ver a dança quando lhe tira o que é essencial.
uma poda na ostentação, uma vírgula na fatalidade do movimento que soterraria o próprio porque da dança ser.
quando ruviére fala que a beleza da dança está na trajetória e que essa dança é um caminho à frente parece falar do que hoje chamamos e tentamos dar conta de entender nomeando como engajamento. não importa o que, importa como.
um dos enunciados do grupo cena 11 imediatamente me vem a mente: disponibilidade como poder.
essa disponibilidade precisa ser sempre tão transitória quanto possível, caso contrário vira certeza e não tem lugar.
a relaçao ontológica entre movimento e dança e a relação melancólica entre dança e sujeito parece sempre tentar fazer com que nossos fantasmas não se cristalizem, mas possam gerar imagens prenhes de tensão poítica. portanto prenhes de relação com a pólis, como o mundo.
uma vez que mudamos relação com o mundo, mudamos entendimento do corpo que temos e somos. e minimamente se pode tornar o Real menos árido.
utopia inevitável a lahildahilst: a vida é crua.
adendo dançante: mas que ao menos venha com elegância.
lembrete crítico: a dita elegância é sempre movente. tão movente quanto necessário para não fazer da dança uma certeza, mas um labirinto que se constrói na medida em que se trilha.
Date: Tue, 17 Sep 2013 22:40:56 -0300
Subject: Re: sobre a formação compartilhada em artes presencias do solo expectativas e promessas de alejandroahmed
From: sandrameyer@globo.com
To: ander_lc5@hotmail.com
Subject: Re: sobre a formação compartilhada em artes presencias do solo expectativas e promessas de alejandroahmed
From: sandrameyer@globo.com
To: ander_lc5@hotmail.com
Outros anotários para nosso percurso-escrita num Moleskine compartilhado. Vamos recolhendo lampejos de pensamentos, constituindo um imaginário que se produz admitindo a indeterminação e o não-saber. C0-autores de uma com+posição em aberto.
Dança em temporalidades e espacialidades diversas, até mesmo numa quase imobilidade, insistem as fantasmatas?
Olho para aquele que dança. Movo-me pela sua intensidade, e menos pelo seu deslocamento. Seria inevitável não resvalar algum nível representacional? Romperíamos com a re-apresentação? Valeria a ação do sentido mais do que o sentido da ação...talvez o sentido como direção, como vetor>>>>>>>>>>>>>>>>>>
Lembra que o Francis Bacon fazia trípticos para romper com a compulsão do espectador em construir significados? Antídoto contra a clausura da percepção.
Dança em temporalidades e espacialidades diversas, até mesmo numa quase imobilidade, insistem as fantasmatas?
Olho para aquele que dança. Movo-me pela sua intensidade, e menos pelo seu deslocamento. Seria inevitável não resvalar algum nível representacional? Romperíamos com a re-apresentação? Valeria a ação do sentido mais do que o sentido da ação...talvez o sentido como direção, como vetor>>>>>>>>>>>>>>>>>>
Lembra que o Francis Bacon fazia trípticos para romper com a compulsão do espectador em construir significados? Antídoto contra a clausura da percepção.
Presença e(em) relação. Sujeitos menos ensimesmados interessados naquilo que pode(rá) emergir e imergir no acontecimento. Assim talvez chegaríamos na tal coisa, no seja coisa.
Mover implica fatalmente em uma ética e uma política. A dança é um caminho à nossa frente...devir futuro que recolhe traços do passado possíveis de serem atualizados - Nietzsche afirmavaquenãopoderiahaverpresentssem o esquecimento.
Disponibilidade requer generosidade e escuta. Estas sim não podem ser tão transitórias. Construir um campo existencial comum na trilha.
um fantasma é o cumprir de uma promessa jamais
feita, a materialidade de algo que foi permanentemente perdido, é posse sobre
algo que jamais foi seu.
um fantasma é espécie de
intensidade que enche uma parada de movimento e a todo momento de um
deslocamento anuncia a possibilidade de seu frear.
a representação se
apresenta como fantasma não apenas da dança, mas fantasma da arte.
em última instância a
representação, em vez de uma presentação (presentificação?), seria modo de
operar sobre o mundo que atormentaria para além do exercício da arte: em que
medida as (auto)imagens, (auto)narrativas, (auto)discursos cristalizados fincam
nossos pés em uma permanente manutenção do que já foi e estancam a emergência
do que ainda pode ser?
representar sendo
entendido como fazer novamente presente o que já é se faz nocivo na medida em
que impede o que ainda pode ser e se quer foi imaginado. representação como
estanque do devir.
uma oposição entre a
ação do sentido e o sentido da ação: no lugar de descobrir e grudar e definir
os sentidos, significados, imagens, narrativas e discursos cristalizados das
ações, perceber em tais ações um sentido-direção, um vetor que dê vazão a
percepção de sentidos, significados, imagens, narrativas e discursos ainda por
vir.
a (re[a])presentação
como manuseio do tempo, como fazer-se presente funcionaria como um pharmakós:
veneno ou antídoto para a doença de tomar o presente como uma sucessão do
passado e uma precedência de futuro. ser/estar presente é gerir uma
coexistência de tempos: carregar a virtualidade do passado e a
imprevisibilidade do futuro.
dançar
conjugando o tempo presente é transformar uma cicatriz de tempo - um dejeto que
resta - em um adorno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário